Durante todo o século XX, o surgimento de uma nova mídia de massa significava, para muitos, o fim da anterior. A televisão foi a mais emblemática delas: seu surgimento parecia ser o atestado de óbito do rádio, do jornal impresso e do cinema. Como é bem percebido hoje, não foi o que aconteceu.  Ocorre que, na verdade, com o surgimento de novas mídias, as antigas foram buscando novas funções e preenchendo outros lugares. Por exemplo, o rádio só envolve apenas um sentido humano, que é o áudio. Já a TV é um meio que envolve, além da audição, a visão. Portanto consegue captar melhor a atenção do espectador. Mas o que seria de nós sem o rádio no carro? Ou no ônibus, indo para o trabalho? A televisão não é – ainda – um meio portátil, como o rádio se tornou. Ou seja, o rádio não deixou de existir, ele sofreu uma readaptação para configurar novos espaços que a TV não conseguia penetrar.

A verdadeira revolução chegará na década de 1990 com a interne, que levará os meios tradicionais a buscarem um novo modelo de negócio acoplado com a nova mídia. Diante da atual crise, é nítido que o jornal impresso é o que encontra maior dificuldade neste processo de fusão. Em seu texto “Cibercultura como território recombinante”, Lemos irá trazer os conceitos de mídia massiva e mídia pós-massiva, que serão importantes para o entendimento do lugar ocupado pela internet como meio de comunicação.

Mídias massivas são aquelas que estabelece uma comunicação unidirecional com o receptor. Os grandes meios de comunicação são os únicos produtores e disseminadores de conteúdo. De acordo com Lemos, essas mídias não produzem um fluxo informacional, haja vista que o consumidor tem controle da informação recebida mas, jamais da emissão.

Já as mídias pós-massivas, aumentam a possibilidade de ocorrência de processos comunicativos. Nesse contexto, todos são receptores e emissores de informações. Basta estar com um celular com acesso Wi-Fi para disseminar qualquer tipo de conteúdo para bilhões de pessoas na rede  

Lemos irá afirmar que, diante do cenário de meios pós-massivos, três leis irão nortear a produção de conteúdo:

  • Liberação do polo midiático: com o desenvolvimento da internet e dos equipamentos, há uma maior facilidade na emissão, fazendo com que qualquer um possa produzir conteúdo e disseminá-lo em grande escala
  • A conexão: o uso da rede para a criação de vínculos sem fronteiras. “Consumo é conexão, circulação e distribuição” (LEMOS, André)
  • A reconfiguração: crise no modelo de negócio dos meios massivos. É necessário pensar em um novo modelo de produção e na sua rentabilidade

Tratando-se de jornalismo digital, a lei da reconfiguração, será o ponto chave para a discussão.

Os avanços da internet e dos equipamentos, como computadores, smartphones, etc, levaram a uma grande exploração do jornalismo digital, oferecendo ao leitor um acesso à informação gratuita através de conteúdos produzidos exclusivamente para o online, e também ao próprio jornal impresso em seu formato digital. Segundo Lemos, as novas tecnologias de comunicação irão promover recombinações de informações sob os mais diversos formatos: sons, textos, imagens e vídeos.

Para citar um exemplo de um jornal local, o Correio* fez, no ano de 2015, uma série de reportagens sobre casos de estupro em Salvador, rendendo a matéria especial “O silencio das inocentes” (veja aqui). Trechos de áudios gravados com as fontes durante as entrevistas, foram convertidos em podcasts. Quando o leitor lê a matéria no site, os podcasts com frases das mulheres saem esporadicamente, trazendo uma experiência estética de ouvir uma aspa, que antes seria apenas lida, da própria pessoa violentada. O leitores não têm a opção de pausá-los, assim como as vitimas não tiveram como para seus agressores.

card-face-home-min Capa da reportagem especial  “O silencio das inocentes”

Para Lemos, a cultura digital pós-massiva, não representa o fim da cultura massiva, ao passo que esta também não irá massificar o digital. “A cibercultura é essa configuração na qual se alternarão processos massivos e pós-massivos,” (LEMOS, André).

 

Cultura da Convergência

Para explicar o novo paradigma em que estamos vivendo, Henry Jenkins explica “cultura da convergência” através de três conceitos: a convergência dos meios, a cultura participativa e a interação dos meios. A cultura da convergência é tratada pelo ator como um

“fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos a cooperação entre                mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam”.

Quando trata de cultura participativa, o ator aborda o papel dos produtores de mídia e dos consumidores que, após o surgimento dos meios “pós-massivos”, interagem e não há mais uma passividade dos espectadores. “Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo”. Já ao falar sobre a interação dos meios, Jenkis fala justamente sobre as diferenças formas de interações entre as mídias de massa e as novas, que criam novas formas de consumo.

A convergência, nada mais é, do que a coexistência de “velhas” e “novas” mídias. Ou mídias “massivas” e “pós-massivas”. Ao contrário do que teorias mais apocalípticas previam, as mídias pós-massivas não exterminaram as velhas mídias. A TV não deletou o cinema, a fotografia não fez com que a pintura desaparecesse, nem tampouco retirou suas especificidades. O que está acontecendo, na verdade, é uma coexistência entre essas mídias, que acaba criando um fluxo de informações. Os jornais impressos passaram a fazer versões de seus exemplares no online. Além dos exemplares, começaram a criar perfis nas redes sociais para compartilhar seu conteúdo. O jornal, mídia massiva, passou a utilizar-se de mídias pós-massivas, como a internet e as redes sociais, e de criar conteúdos específicos para esses meios. De acordo com o paradigma da convergência, ao contrário do que se acreditava nos anos 90, as novas e antigas mídias irão interagir de forma cada vez mais complexa.

Com o surgimento dos meios “pós-massivos”, os consumidores passaram a ter um maior controle sobre a mídia e puderam, ainda, interagir com outros consumidores. O que se prevê, segundo Jenkins, são “novos consumidores ativos, migratórios e mais conectados socialmente”. Tal fato já é observado no jornalismo online, com consumidores cada vez mais críticos acerca de conteúdos divulgados nos jornais; com interação, principalmente nas redes sociais, entre os leitores em matérias; e com os próprios consumidores enviando sugestões de matérias para os jornais, através das novas formas de comunicação.

 

Nova experiência de produção e consumo

Ainda de acordo com Henry Jenkis, a cultura da convergência cria uma nova lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento. A convergência vai, portanto, impactar a forma com que consumimos aos meios de comunicação. Para se adequar a essa nova forma, os meios de comunicação passam a se adaptar aos novos anseios dos consumidores, que passam a interagir e exigir algumas mudanças.

No jornalismo, o surgimento de diversas mídias pós-massivas alteraram a forma de se fazer o jornal, tanto impresso, como o digital. Com o advento da internet, mensagens instantâneas, e-mail e dos aplicativos de celulares – em especial o WhatsApp – as informações chegam mais rapidamente aos jornais, os jornalistas mantém contato e checam informações de forma quase instantânea e isso acaba transformando o dia-a-dia nas redações. Cargos desaparecem e são substituídos por máquinas; os diagramadores são substituídos por programas de computador que já trazem o modelo do jornal na tela, onde os jornalistas já produzem a matéria dentro do espaço em que será impresso; revisores de texto são substituídos pelo corretor gramatical de programas de computador, entre outros.

Os “social media”, novo cargo, surgem para integrar os conteúdos realizados nos jornais online em mídias sociais. As “fanpages”, no Facebook, ganham tanto espaço, que passam a ser a principal forma de consumo de notícias de alguns expectadores. Sem falar no protagonismo da cobertura ao vivo, através de hashtags e de palavras específicas no Twitter, que muitas das vezes detém a informação antes mesmo do que os principais meios de comunicação do país. Nos smartphones, os aplicativos dessas redes ainda fornecem um mecanismo, os pushs, que avisam a cada vez que uma nova notícia considerada importante é publicada.

WhatsApp Image 2016-08-12 at 20.26.19 Print da tela de um celular com pushs do aplicativo do portal online “Bahia Notícias”
WhatsApp Image 2016-08-12 at 20.20.54 Portal de notícias online utiliza redes sociais para divulgar uma das notícias do dia

 

Um exemplo de protagonismo dessas novas mídias quanto ao consumo de notícias está a cobertura política de algumas eleições que podem ser feitas até mesmo pelos consumidores (veja aqui), mostrando a importância dessa nova forma de mídia e a nova atividade do consumidor, que deixa de ser passivo.

Outro formato recente que está sendo frequentemente utilizado é o Snapchat. Ele surge como forma de enviar fotos e vídeos com o máximo de 10 segundos para os seus amigos e logo ganha filtros especiais para coberturas de eventos. Agora, nas olimpíadas de 2016, por exemplo, os brasileiros receberam em seus “filtros” do aplicativo, a capacidade de enviar vídeos para esse filtro especial, que fica disponível para todos os usuários. Os consumidores passam a fazer, dessa forma, uma “cobertura” do evento. É uma forma de cobertura de “todos” para “todos”, deixando o protagonismo dos produtores de lado, e erguendo uma nova forma de consumo das notícias. Fora isso, o próprio Snapchat contém canais de jornais importantes no exterior, como Daily Mail, CNN, National Geographic, Cosmopolitan, entre outros, que trazem destaques de suas notícias.

WhatsApp Image 2016-08-12 at 20.21.35Cobertura das Olimpíadas feitas por um torcedor via Snapchat

Junto com o Snapchat, os “lives” ganham um grande protagonismo dentro do jornalismo digital. Trazendo os principais destaques do dia, ou de alguma editoria, dentro das redes sociais dos jornais, os jornalistas do digital, que tinham como papel exclusivo de escrever, acabam desempenhando funções que antes apenas eram exercidas pelos jornais da TV. Geralmente diários, os “lives” possuem formato parecido com os já conhecidos do telespectador, o da TV, e acabam fidelizando os leitores por resumir as principais notícias do dia que estão disponíveis no próprio site.

Além das mídias tradicionais, também cabe ressaltar as mídias alternativas, que cada vez mais ganham grande protagonismo. Os blogs, rádios comunitárias, jornais de baixa circulação e fanzine surgem, visando oferecer outra maneira de pensar a comunicação. A maioria utiliza aparato técnico mínimo para desempenhar suas funções. Elas acabam fazendo uma nova forma de consumir notícia, com outros pontos de vistas e, muita das vezes, distanciamento econômico, por não depender desse tipo de incentivo para sobreviver.

WhatsApp Image 2016-08-12 at 20.20.13  Mídia Ninja: um dos principais portais de mídia alternativa

 

Será o fim do jornalismo impresso?

Com a possibilidade de consumir notícias em tempo real, na palma da mão através dos smartphones, e sem esperar o fechamento do jornal, entrega, ou de precisar se locomover até uma banca, o consumo do jornal impresso acaba caindo e promovendo menor consumo desta forma. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia, divulgada em dezembro de 2014, a leitura diária de jornais é baixa. Apenas 7% dos entrevistados leem diariamente. Ainda de acordo com a pesquisa, a escolaridade e a renda dos entrevistado influenciam nesse percentual: 15% dos leitores com ensino superior e renda acima de cinco salários mínimos da época (R$ 3.620 ou mais) leem jornal todos os dias. Entre os leitores com até a 4ª série e renda menor que um salário mínimo (R$ 740), os números são 4% e 3%. Mesmo com esse número mais baixo, os leitores do jornal tradicional são fiéis à forma: apenas 10% do total que consumiam impresso migrou para o digital. Uma das possíveis explicações para isso é a falta de confiança das pessoas com o jornal impresso, que nessa época estava tomando um protagonismo maior. De acordo com a pesquisa, os jornais ainda continuam como os meios mais confiáveis na opinião dos brasileiros: 58% dos leitores disseram confiar sempre ou muitas vezes no que leem em jornais, seguidos pelos telespectadores (TV) e ouvintes (rádios), respectivamente, com 54% e 52%. Em relação às mídias pós-massivas, apenas 27% disseram confiar sempre ou muitas vezes nas notícias em sites, blogs e redes sociais.

O que podemos perceber, desta forma, é que os leitores de jornal impresso têm uma resistência ao novo meio, principalmente por conta da falta de confiança que o meio da internet pode passar por ser mais democrático. São frequentes episódios de notícias falsas plantadas que viralizam e depois descobrem que, na verdade, era uma falácia. Contudo, o público jovem acaba não consumindo tanto o jornal impresso, principalmente pelo grande acesso que tem dos smartphones, tablets, computadores e TV. Além disso, os jornais de hoje em dia acabam tendo notícias que já haviam sido divulgadas nos meios online no dia anterior; o que faz com que o interesse por ele também diminua.

Sem contar com a problemática do financiamento do jornal; cada vez mais as empresas de publicidade, que acabam por “financiar o jornal”, migram para a internet e para as mídias pós-massivas; o que também reduz a potência do jornal impresso que, para existir, exige gráficas pesadas, estoques de papel, estrutura de distribuição, etc.

O que de fato acontece é que o jornal impresso e o online acabam oferecendo a mesma coisa: a notícia. Mesmo com experiências diferentes: o papel, a confiança, esperar o dia todo para novas notícias; a internet, as redes sociais, o “na hora”; eles acabam oferecendo o mesmo produto; sem contar que o online acaba sendo muito mais barato por toda a estrutura que o jornal precisa, já citada acima. O jornalismo digital, no entanto, oferece uma experiência completamente nova e mais acessível ao permitir um fluxo maior de informações, com os próprios sites, redes sociais diversas, snapchats, lives etc em uma única plataforma: a internet.

Acreditamos que seja uma questão de tempo para que o jornal impresso, da forma como está e como conhecemos, seja substituído pelo jornalismo digital, mesmo após o conceito de convergência das mídias. Por não oferecer nada “novo” e por ser sempre “atrasado” em relação ao jornalismo digital, para que o impresso sobreviva, novas formas de produzí-lo, – para além de uma diagramação moderna – que chame atenção do leitor e que, de fato, ofereça “algo a mais”, precisaria surgir.

 

Referências

Lemos, A. Cibercultura como território recombinante. A cibercultura e seu espelho: campo de conhecimento emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa. São Paulo: ABCiber, p. 38 -46, 2009.
Jenkins, H., Cultura da Convergência, RJ. Aleph, 2009.